Em Ruptura, personagens fazem tarefas sem entender. Como líderes, estamos fazendo o mesmo, mas com pessoas reais do outro lado.

Tem uma cena de Ruptura que não sai da minha cabeça. Os personagens passam horas executando tarefas misteriosas, sem saber para quê. Eles clicam. Navegam. Organizam. Mas não fazem ideia do porquê.
Esse é o medo que me acompanha. Mesmo com processos bem estruturados e as melhores intenções, ainda posso estar executando algo sem entender o impacto real do que estou colocando no mundo. Nos últimos meses, essa sensação ficou mais nítida.
Tenho o privilégio de trabalhar em uma grande empresa de tecnologia, criando soluções que impactam milhões de usuários globalmente. No papel, parece incrível — e, de fato, é. Mas ainda assim, existe uma desconexão difícil de ignorar.
Mesmo depois de testes com usuários, entrevistas e rodadas de validação, muitas vezes me sinto distante das pessoas para quem estou projetando.
Se nós, designers, perdermos a conexão com o impacto do nosso trabalho, quem vai manter a bússola apontada para as pessoas?
Este ano, participei de várias formações voltadas para liderança — sessões sobre influência, comunicação, presença executiva, etc. Também estive no UXDX EMEA ’25, em Berlim, onde tive a oportunidade de conversar com algumas das mentes inspiradoras da nossa área. E, mesmo com todos os slides impecáveis e falas bem ensaiadas dos keynotes, foi um momento bem diferente que ecoou na minha cabeça.
Não aconteceu no palco principal. Foi durante uma conversa paralela, no corredor, quando alguém disse em voz baixa:
“Eu não tenho mais certeza se sei liderar. Tudo mudou. A forma como trabalhamos, o que as equipes esperam da gente, a velocidade com que tudo acontece.”
Eu senti aquilo.
Se eu for honesto comigo, tenho carregado a mesma pergunta há meses. Quanto mais experiente me torno como líder de design, mais percebo que o papel deixa de ser apenas fazer coisas e passa a ser dar significado a elas.
Em algum ponto, entre os ciclos de crescimento e crise, as demissões em massa e a febre da IA, começamos a perder algo. Não apenas pessoas. Mas habilidades humanas, invisíveis e essenciais, que por muito tempo definiram o que é ser uma boa liderança de design.
Este artigo é sobre essas habilidades silenciosas e por que precisamos lutar para não deixá-las desaparecer.
Onde estão as grandes lideranças em design?
Não estou falando de quem gerencia orçamentos ou calendários. Falo daquelas pessoas que te fazem crescer. Que criam espaço para reflexão. Que constroem confiança sem precisar levantar o tom de voz. Será que nosso padrão ficou tão baixo que confundimos aparência com competência?
Não tenho uma planilha para provar isso; e tudo bem. Aprendi que nem tudo que é real precisa de dados. Às vezes, um design brilhante é o argumento.
Já fiz a seguinte pergunta para pelo menos 50 pessoas, entre designers seniores e gestores: “Quantos gestores você teve na carreira?” — A maioria responde entre 8 e 12.
Depois pergunto: “Quantos desses foram, de fato, grandes líderes?” — quase sempre 2 ou 3.
E o mais curioso? Ninguém parece surpreso. Quando foi que isso se tornou o nosso parâmetro?
A habilidade de sustentar a ambiguidade
Em uma conversa com Rory Madden, fundador da UXDX, falamos sobre o desconforto de construir algo sem ter todas as respostas. Ele compartilhou:
“A maioria dos times não falha por falta de ideias, mas porque não consegue se alinhar quando o caminho não está claro.”
Ambiguidade é difícil. Especialmente em tech, onde tudo é urgente e as expectativas muitas vezes vêm de pessoas distantes do trabalho real. Mas a habilidade de permanecer nesse lugar desconfortável, de não correr para uma clareza prematura, é uma das habilidades silenciosas da liderança que quase não falamos.
Recompensamos certezas. Elogiamos quem decide rápido. Mas liderar, de verdade, muitas vezes é parar. Questionar. Deixar as coisas um pouco bagunçadas para que algo mais significativo possa emergir.
E, como designers, nos treinaram para encontrar soluções. Talvez por isso evitamos dizer “não sei”. Talvez por isso evitamos parecer frágeis. Mas lidar com ambiguidade é aceitar que não teremos respostas o tempo todo.
Sustentar a ambiguidade não é só desconfortável — é vulnerável.
Talvez essa seja a parte mais corajosa do trabalho.

A habilidade de conectar os pontos
Em outra das conversas que tive no evento, Jeff Chow, Chief Product & Technology Officer da Miro, usou uma metáfora que me marcou:
“Designers têm essa habilidade de ver várias áreas falando ao mesmo tempo e conseguir transformar isso em algo tangível. Eles visualizam o caos. Isso é um superpoder — mas estamos tratando como commodity.”
Ele tem razão.
Já vi designers brilhantes sendo reduzidos a meros entregadores de tela. Já vi estratégia virar algo que acontece em outro lugar, e que só depois “chega” para design implementar. E existe um problema grande aí:
Quando tiramos o espaço de síntese, perdemos algo essencial. A capacidade de conectar os pontos que ninguém mais está enxergando.
Jeff chama isso de princípio do “skate vs. Ferrari”: comece com algo simples, rápido e funcional, mas com a clareza de que o destino é algo elegante e poderoso. Essa visão? Esse pensamento conectivo? É isso que boas lideranças de design trazem.
Mas estamos treinando designers para entregar. Não para sintetizar. E estamos sufocando os times que pensam dessa forma. Precisamos de mais pessoas que consigam ver o todo — mesmo quando o todo ainda não existe.

A habilidade de sustentar conversas difíceis
Pamela Mead, VP de Design na SumUp, falou algo que ressoou muito:
“A gente transformou o design em commodity. Um designer por squad, tocando três sprints ao mesmo tempo, tentando ser bom em UI, UX, motion, código e estratégia. Isso não é escala — é insanidade.”
Perdemos nossas raízes. Design é ciência. Psicologia. Semiótica. Teoria da informação. Mas trocamos profundidade por velocidade. Reflexão por ferramentas. Estratégia por planejamento de sprints.
E tudo isso está acontecendo de forma silenciosa. Não é por falta de interesse, é porque o sistema não recompensa quem resiste.
Liderar, nesses casos, é manter o espaço para a conversa difícil. É ter coragem de perguntar:
- Por que agora?Por que desse jeito?Estamos resolvendo o quê e pra quem?

Design é mais do que entrega
Em um mundo onde decisões de design reverberam para milhões de pessoas, essa desconexão é perigosa. Não se trata apenas de entregar.
É sobre perceber o que, de fato, estamos entregando.
Não é sobre anonimato. É sobre nosso papel — e às vezes, nossa falta de consciência sobre ele. E é aí que mora a tensão.
Somos cobrados para agir rápido, decidir e lançar. Mas design sempre foi mais do que execução. Como disse Herbert Simon:
“Design é a transformação de condições existentes em condições preferidas.”
É isso que amarra tudo. Design não é só entrega, é intenção. Direção. Consequência. E por isso, esse não é apenas um problema de design.
É um problema de liderança.
Nessas horas, liderar não é ter todas as respostas. É ter consciência e coragem para fazer as perguntas certas.
O que ficou comigo
Depois de conversar com tantos designers seniores, heads, VPs e executivos, alguns padrões começaram a surgir. Não em títulos. Não em organogramas. Mas na forma como nos posicionamos.
Não precisamos correr para dar respostas.
Precisamos sustentar o espaço até que elas emerjam.
Não precisamos dominar a sala.
Precisamos projetar uma sala que inclua os outros.
Não precisamos provar o quanto sabemos.
Precisamos cultivar curiosidade genuína — mesmo quando for desconfortável dizer “eu não sei”.
Nada disso é chamativo. É sutil. Intencional. É o tipo de liderança que passa despercebida — até você sentir a diferença que ela faz.
Um check-in de habilidades silenciosas
Deixo aqui algumas reflexões:
- Quantos grandes lideranças de design você teve?O que faziam delas tão boas?Qual habilidade silenciosa você deixou de usar?O que seria necessário para trazê-la de volta?
Sobre ambiguidade:
- Você deu espaço para ambiguidade ou tentou resolver tudo rápido demais?Incluiu outras pessoas na construção ou preencheu a sala com suas próprias respostas?Falou a partir da “certeza” ou liderou com curiosidade?
O design não morreu. Mas algumas das suas habilidades mais poderosas estão ficando em silêncio.
Se queremos que a liderança em design floresça, precisamos começar valorizando o que não grita mais alto. A liderança é moldada nesses micro-momentos. Como será a sua?
Vamos trazê-las de volta, juntos.
Referências
- Design Is a Job — Mike MonteiroThe Sciences of the Artificial — Herbert A. SimonA comprehensive list of 2025 tech layoffs — Cody Corrall, Alyssa Stringer, Kate ParkCynefin Framework — Dave Snowden6 Strategies for Leading Through Uncertainty — Harvard Business ReviewThe Design of Everyday Things — Don NormanDare to Lead — Brené BrownSystems Thinking, The Iceberg Model — Donella MeadowsDesigning with the Mind in Mind — Jeff JohnsonA Theory of Semiotics — Umberto EcoWhat Is Psychological Safety — Harvard Business ReviewInformation Foraging: A Theory of How People Navigate on the Web — Raluca Budiu
O que estamos perdendo (em silêncio) sobre design e liderança was originally published in UX Collective 🇧🇷 on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.
