Métricas bem compostas orquestram times com harmonia; mal alinhadas, viram ruído. Este artigo afina essa orquestra.

Métricas são como partituras: quando bem compostas, orquestram o trabalho dos times com harmonia e propósito. Mas quando cada instrumento toca por conta própria, o que era para ser música vira ruído. Este artigo é um convite para afinar essa orquestra — e apresentar um framework que ajuda a conectar as métricas de produtos digitais com os resultados reais do negócio.
Conectando os pontos da pirâmide
A base do que você vai ler aqui nasceu das minhas experiências práticas como líder em Product Design e Design Ops. Já meu ponto de partida foi o artigo Elena Seregina sobre pirâmide de métricas que propõe uma organização hierárquica de indicadores. Como diz a expressão, “subir no ombro de gigantes” nos permite enxergar mais longe.
A pirâmide que apresento é um “scrapbook” de conceitos já fundamentados no mercado, como DORA, HEART e princípios de Agilidade. Mas a sua espinha dorsal é uma ideia simples e poderosa:
Métricas têm hierarquia e entender essa hierarquia muda completamente a forma como priorizamos decisões.
A partir disso, adaptei e contextualizei o modelo com base em aprendizados do dia a dia, ajustes conceituais e simplificações práticas.
O resultado é uma pirâmide com camadas mais claras, indicadores acionáveis e um caminho mais concreto para alinhar o trabalho da tríade (Produto, Design e Engenharia) com os resultados da empresa.
O caos da falta de alinhamento
Se já participou de reuniões de resultados, esta cena pode soar familiar:
Você chega com seu material preparado em cima da hora, caçando indicadores em diversos dashboards e ferramentas. Cada área aparece com seus números — mas nada parece se conectar.
Métricas surgem e depois desaparecem sem nunca voltar à mesa. Os times discutem indicadores isolados, como se falassem idiomas diferentes.
O clima oscila entre palmas para os números “verdes” e silêncio constrangedor para os “vermelhos”, mas no final, nenhuma decisão real acontece. É nesse cenário que um bug crítico pode ser ignorado em favor da “feature do executivo”.
O time de Produto cobra velocidade de Design sem perceber que o gargalo está na validação de negócio. Enquanto isso, Engenharia gera relatórios para se defender, Design insiste em lapidar detalhes com baixo impacto financeiro.
Já o produto, com baixo NPS e alta taxa de erros, continua recebendo novas funcionalidades que não movem o ponteiro do negócio, mas que soam atraentes e trazem uma sensação de progresso.
Sem uma partitura comum para a leitura dos dados, cada parte do time vira um solista tentando fazer um concerto sozinho. E claro, isso não funciona.
A pirâmide como partitura para a tríade
Pense em uma orquestra: o violino, o piano e a percussão têm funções diferentes, mas precisam da mesma partitura para tocar juntos. A pirâmide de métricas é a partitura da orquestra digital.
Ela organiza os indicadores em camadas, levando em conta duas dimensões importantes:
- Causalidade (da base para o topo): Cada camada influencia a de cima.Horizonte de impacto (tempo): Do mais imediato ao mais estratégico.
Para que a nossa pirâmide funcione, precisamos primeiro entender o conceito de horizontes de impacto, ou a temporalidade de cada indicador.
Pense na metáfora de dirigir um carro:

O velocímetro e o conta-giros mostram o que está acontecendo agora, o efeito imediato das suas ações. Se você pisa no acelerador, a agulha sobe na mesma hora. Esses são os Leading Indicators (ou indicadores de antecipação): eles mostram o efeito direto das nossas ações e nos ajudam a tomar decisões imediatas.
O GPS, por outro lado, só nos diz se chegamos ao destino depois de pisarmos, frearmos e virarmos o volante diversas vezes. Ele mede o resultado final e demora mais para mudar. Esse é um Lagging Indicator (ou indicador de resultado), o que nos mostra se chegamos ao destino final. Ele reflete o resultado de todas as ações que tomamos com base nos leading indicators.
Essa relação entre ação e resultado — o que podemos influenciar agora VS. o que reflete o sucesso no longo prazo — é o que dá a forma e a razão de ser para nossa pirâmide. Cada camada possui dois horizontes de impacto diferentes, mas todas se conectam por uma cadeia de causalidade.
As cinco camadas
A pirâmide é organizada em cinco camadas, de baixo para cima, seguindo a lógica de causalidade:
- OperaçãoSistemaExperiênciaProdutoImpacto Estratégico.

1. Operação: a saúde e a eficiência do fluxo de trabalho
Antes de olhar o que construímos, olhamos como construímos. A pergunta aqui é:
Quão previsível, rápido e eficiente é o nosso processo de transformar uma ideia em uma entrega?
Se a base da pirâmide é fraca, todo o resto desmorona.
- Leading Indicators: Itens de trabalho bloqueados, envelhecidos e o total de work in progress (WIP), etc.Lagging Indicators: Cycle Time, Throughput, Flow Efficiency e Time to Market, etc.
Melhorar o Cycle Time não é uma ação direta; é o resultado de diversas ações que influenciam os indicadores de entrada, como o desbloqueio de tarefas e a limitação do WIP.
É aqui que começamos a construir a nossa base sólida. Um throughput alto com cycle time baixo pode parecer ótimo; mas será que estamos entregando valor ou só despachando tarefas pequenas e pouco estratégicas?
2. Sistema: qualidade e confiabilidade da aplicação
Com uma operação saudável, o foco se volta para o que está sendo construído. A pergunta é:
Nossa aplicação é estável, rápida e confiável para o usuário?
Sem estabilidade técnica, não há experiência que se sustente. Um sistema ruim afasta até o usuário mais engajado.
- Leading Indicators: Taxa de erros, cobertura de testes, taxa de bugs, etc.Lagging Indicators: Tempo de resposta da aplicação, LCP, FID, CLS, score de acessibilidade, etc.
3. Experiência: usabilidade e satisfação do cliente
Sobre um sistema estável, construímos a experiência. A pergunta que esta camada responde é:
O cliente consegue usar nosso produto com facilidade e se sente satisfeito ao interagir com ele?
Estes são indicadores que nos ajudam a diferenciar o que o usuário faz e o que diz sobre o produto.
- Leading Indicators: Cliques contínuos, cliques mortos, retornos rápidos, rolagem excessiva, profundidade de rolagem, etc.Lagging Indicators: CSAT, NPS, CES, SUS, Notas de Store, etc.
4. Produto: sucesso em atingir objetivos táticos
Um cliente satisfeito com a experiência tem maior chance de realizar a ação de valor que o produto propõe. Aqui é o lugar ideal para organizar seus OKRs de nível mais tático e North Stars. A pergunta que respondemos é:
O produto está sendo usado e gerando as conversões esperadas?
- Leading Indicators: Cadastros, DAU/MAU, custos de infraestrutura, etc.Lagging Indicators: ROI e conversão, especialmente a que gera receita.
Se o produto não gera conversão, qualquer métrica anterior é vaidade sem propósito. Produtos sustentáveis são aqueles que, no fim do dia, pagam suas próprias contas e ainda geram valor para o negócio.
5. Impacto Estratégico: a contribuição para os objetivos do negócio
No topo da pirâmide, conectamos o sucesso do produto ao sucesso financeiro e estratégico da empresa. A pergunta aqui é:
O sucesso do nosso produto está movendo os ponteiros da companhia?
- Leading Indicators: CAT, LTV, Market Share…Lagging Indicators: EBITDA, GMV, fluxo de caixa…
É importante reforçar: esses indicadores não são uma receita de bolo. São uma base, um ponto de partida. Cada time deve ajustá-los de acordo com seu contexto e realidade.
Do solo ao topo
A força da pirâmide está nas conexões:
- Se a operação é eficiente, ela é capaz de construir um sistema saudável.Um sistema saudável sustenta uma experiência de qualidadeUma experiência de qualidade gera conversão para o produto, eConversão no produto gera impacto estratégico para o negócio.
Em contrapartida:
- Uma operação sobrecarregada não entrega bem, gerando um sistema instávelUm sistema instável oferece uma experiência frustranteDerruba os resultados do produto e, no finalNão gera impacto estratégico.
Obviamente, os indicadores são multifatoriais, e a correlação se estabelece apenas com tempo, contexto e análise. Um redesenho de fluxo pode aumentar a conversão, assim como a resolução de um bug pode melhorar um CES.

A pirâmide não tem “donos” nem responsáveis únicos. Os times precisam trabalhar em conjunto para que as ações da base se reflitam no topo.
A pirâmide não é mais uma reunião, nem um slide esquecido no fim da apresentação. A mentalidade correta é a oposta: ela é um dashboard de dados que enriquece as conversas já existentes. Ela ganha vida em um painel que consolida e centraliza os indicadores, criando alinhamento instantâneo entre times que, muitas vezes, debatem seus números de forma isolada. Esse painel permite identificar onde estão nossas dívidas e oportunidades, além de provocar as perguntas certas e trazer estrutura para os encontros da tríade.
Um maestro não acompanha todas as pautas de todos os instrumentos ao mesmo tempo. Sua maestria está em saber quando olhar para os violinos, quando sinalizar para os metais e quando dar espaço à percussão. O mesmo vale para as métricas: não precisamos observar todos os indicadores simultaneamente, mas sim compreender em qual deles focar em cada momento.
Mais importante ainda é entender que eles não existem apenas para justificar falhas, e sim para guiar a música diária da tríade, por exemplo:
- Em conversas sobre a performance do time, olhe para os dados da Operação.Na priorização de iniciativas, foque na ação com maior Impacto Estratégico, garantindo que as dívidas da base sejam pagas.Na análise de resultados, conecte os pontos e mostre como uma melhoria na Experiência impactou a Conversão.
A causalidade entre métricas não é matemática, é analítica. Ela se revela com tempo, observação e contexto e precisa ser interpretada em conjunto.

Antifragilidade começa pela base
A pirâmide quebra a lógica de que “adicionar mais uma feature vai resolver”. Em vez disso, ela nos convida a pensar como o conceito de Antifragilidade de Nassim Taleb.
Algo antifrágil, como um músculo, se fortalece com o estresse. O oposto é algo frágil, como um cristal, que se quebra com o menor impacto. Um produto com uma operação lenta, um sistema cheio de bugs e clientes insatisfeitos é um sistema frágil. Adicionar uma nova feature não o fortalecerá; irá apenas aumentar a complexidade e o risco de falha, assim como o músculo que se lesiona ao tentar levantar carga excessiva.
É por isso que, para ter um sistema que se fortalece com os desafios, você precisa priorizar uma base sólida. Estes são alguns exemplos para iniciar a sua jornada:
- Cycle Time baixo e Throughput alto, seu time pode estar entregando apenas tarefas de baixa complexidade. Garanta que o time está dedicando tempo à pesquisa e contribuindo com a estratégia.WIP alto, o time está sobrecarregado. Limite o trabalho paralelo e foque em finalizar os itens bloqueados e envelhecidos.Cycle Time alto e Throughput baixo, as tarefas são grandes demais. Garanta bom refinamento para que as tarefas sejam quebradas em pedaços menores, que entreguem valor de forma contínua.
Atacando as deficiências na base, você “higieniza” a pirâmide, garantindo que pode identificar com precisão as oportunidades em suas camadas superiores.
A sinfonia do negócio
Você pode (e deve) começar com uma pirâmide por squad. Mas ao expandir o modelo para tribos, capítulos ou verticais, constrói-se um verdadeiro condomínio de pirâmides, onde cada uma reforça a outra e cria consistência organizacional.
Este framework não é uma fórmula mágica. É uma lente, um instrumento de afinação, um convite para que times deixem de tocar solos isolados e passem a compor sinfonias que movem o negócio.

Escala e novas perspectivas
Um ponto em evolução deste framework é a integração com métricas de Marketing. Ainda é comum tratá-las como periféricas, mas integrá-las entre as camadas de Experiência e Produto amplia a visão da jornada do usuário.
Da mesma forma, além dos indicadores de produtividade, a camada de Operação pode ser enriquecida com métricas de Clima Organizacional. Afinal, um fluxo eficiente não depende apenas de processos bem ajustados, mas também de pessoas engajadas e de um ambiente saudável.
Esse olhar humano na base da pirâmide oferece uma visão ainda mais 360º sobre o time, equilibrando desempenho e qualidade do ambiente de trabalho.
Vale destacar também que, embora essa estrutura tenha sido inicialmente pensada para squads e produtos digitais, ela pode ser adaptada para outros formatos de organização.
Times especialistas, como DesignOps, que atuam de forma distribuída em diferentes verticais, podem usar a pirâmide para evidenciar seu valor de maneira tangível. Nesses contextos, a estrutura não apenas organiza métricas, mas também se torna um instrumento de visibilidade e legitimidade do impacto de áreas que não possuem diretamente métricas de produto.
Essa é uma aplicação que pretendo desenvolver em mais detalhes em um futuro breve, trazendo exemplos práticos e mostrando como diferentes tipos de times podem afinar sua própria “partitura de métricas” para amplificar os resultados da organização como um todo.
Quando os times tratam métricas apenas como um ritual — números que servem para justificar erros, disfarçar ineficiências ou pintar relatórios de verde — a música se perde. O que deveria ser sinfonia vira uma sequência de ruídos: indicadores que não conversam, decisões desconectadas e reuniões que terminam exatamente como começaram.
O framework da pirâmide existe para devolver o sentido à partitura. Ele transforma dados em linguagem comum, permite que Produto, Design e Engenharia toquem juntos e saibam quando é hora de acelerar, corrigir o ritmo ou mudar o tom. Quando a tríade trabalha de forma integrada, cada camada deixa de competir por protagonismo e passa a sustentar a harmonia do todo.
Mais do que medir performance, a pirâmide nos lembra que métricas são instrumentos — e instrumentos só fazem sentido quando afinados a um propósito maior. O desafio não está em gerar números, mas em transformá-los em música: em resultados reais, sustentáveis e compartilhados por todos que fazem parte da orquestra do produto.
Referências
- The Balanced Scorecard: Translating Strategy into Action — Robert S. Kaplan e David P. NortonAccelerate: The Science of Lean Software and DevOps — Nicole Forsgren, Jez Humble e Gene KimHacking Growth — Sean Ellis e Morgan BrownLean Analytics: Use Data to Build a Better Startup Faster — Alistair Croll e Benjamin YoskovitzActionable Agile Metrics for Predictability — Daniel S. Vacanti
A Pirâmide de Métricas como partitura para orquestração de produtos digitais was originally published in UX Collective 🇧🇷 on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.
