Sobre coragem, mudança de rota e a faísca de recomeçar.

Hoje acordei com um texto entalado na garganta e usei um café gelado para colocar para fora. Talvez isso não faça sentido para muita gente — e tá tudo bem. O que importa é que faça sentido para ao menos uma pessoa, mesmo que essa pessoa seja eu.
Há meses prometi escrever um artigo (tô pagando a minha dívida aqui, Rafa). A ideia sempre foi que ele seguisse a minha “linha editorial”: conectar o que faço com quem eu sou. Só que, ultimamente, o que faço tem tomado mais espaço do que quem sou; mais até do que eu gostaria.
E é sobre isso que tirei alguns minutos (muitos, talvez) de uma segunda de manhã, café gelado na mão, para cuspir algumas possíveis verdades sobre algo importante: a nossa relação com trabalho, carreira e vida pessoal.
Café morno ou expresso de mudança?
Nesse exato momento, a minha fila do backlog já está batendo o pezinho na porta da copa, esperando que eu escreva que o primeiro gole de café pode ser duas coisas: um ritual automático, ou um start para o dia ganhar outra cor.
A carreira em design, comunicação e marketing funciona um pouco assim. Tem dias em que a gente só cumpre tarefas, quase no modo zumbi, como se o café tivesse perdido o efeito. Mas também tem dias em que uma simples mudança — de função, projeto ou até de perspectiva — faz o coração bater mais rápido do que qualquer expresso duplo.
O curioso é que essa faísca raramente vem de onde a gente espera.
Às vezes não é uma promoção, mas um desvio de rota que reacende a vontade de criar. Trocar de equipe, experimentar UX depois de anos no social media, migrar para governança quando todo mundo acha que você vai continuar no layout… mudanças que podem parecer estranhas de fora, mas que por dentro têm gosto de café forte: despertam, sacodem, animam.
E é aí que mora a reflexão:
Até que ponto estamos apenas bebendo o mesmo café morno de sempre — e até quando teremos coragem de trocar a cápsula e descobrir um sabor novo?
Uma cápsula nova pode não te agradar
O problema é que, quando a gente menos percebe, entra no modo automático.
Designer, comunicador, marqueteiro… temos aquele momento em que viramos quase uma máquina de deliveries: posts, layouts, apresentações, relatórios, sempre na cadência de quem precisa entregar mais do que respirar.
É como se estivéssemos tomando café só para acordar, e não para apreciar o sabor.
Nesse piloto automático, a cada tarefa repetida, o trabalho que um dia foi combustível de entusiasmo começa a parecer checklist de supermercado: marcar, marcar, marcar, e pronto. Bora pro caixa pagar a conta.
O mais perigoso é que esse processo é silencioso. Não vem com alarme da Alexa ou aviso sonoro, só com uma sensação de cansaço que, se não cuidarmos, vira rotina. Vira o temido burnout. Até que um dia a gente percebe: o café esfriou, o copo está pela metade e a inspiração… foi pra casa do *** (imagina aqui um palavrão).
A vida não cabe no seu cargo
É aí que entra a mágica de mudar a direção. Uma curva inesperada na carreira pode funcionar como aquele gole de café forte que desperta até quem jurava que não tinha mais energia.
Às vezes não é sobre ganhar um cargo novo ou um título pomposo, mas sobre experimentar um caminho diferente.
- Sair do UX e cair de cabeça em comunicação (que foi o meu caso).Trocar a esteira de demandas de escrita pela esteira estratégica da governança.Ou até mesmo se aventurar em algo que parecia distante demais da “versão oficial” do nosso crachá.
Esses desvios, que de fora podem soar como “uau, você pirou?”, por dentro podem trazer de volta a faísca que faltava.
Porque reset não é sobre começar do zero.
É sobre dar uma chacoalhada na rotina, trocar a cápsula do café e, quem sabe, descobrir um sabor novo que você nem imaginava gostar. E, convenhamos, não existe LinkedIn que dê conta de traduzir a sensação de quando a sua vida muda de direção.
Troca o copo!
No fim das contas, talvez não seja só sobre café, nem sobre carreira. É sobre coragem. Coragem de olhar para o copo meio cheio (ou meio vazio) e decidir se vale continuar bebendo o mesmo café morno diariamente — e eu sou mãe, hein! — ou se é hora de trocar a cápsula, mudar o pó, arriscar um sabor novo.
Carreira em design, comunicação e marketing tem dessas: às vezes o que te mantém vivo não é a demanda entregue no prazo, mas a chama interna que te faz criar, experimentar e se reinventar.
O resto (backlog, reuniões, relatórios) vai continuar ali, sempre batendo o pezinho na porta da copa. Mas só você pode decidir se o café vai ser automático ou se vai ser o start de algo maior.
E, se esse texto fizer sentido para pelo menos uma pessoa, mesmo que seja só para mim, o café gelado já valeu a pena.
Tenho muito mais a dizer, tipo sobre maternidade e carreira. Mas vamos deixar isso pra outro café gelado?!
Nota
Num banheiro de bar numa noite dessas, li num lambe-lambe:
‘design é desejo disfarçado de função’.
E não é que faz sentido? No fim, às vezes a gente só precisa trocar o café por um drink pra redescobrir a função do desejo.
Mais um café gelado, por favor! was originally published in UX Collective 🇧🇷 on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.
