Três hábitos para ser mais estratégico.
Lemos todos os dias que o pensamento estratégico vai ser uma das principais habilidades no futuro pós-AI. Mas o que exatamente isso significa? E como treinar o seu?
Aqui vou tentar ser o mais direto possível em como isso se dá na prática e como lapidar nossa capacidade de sermos estratégicos.
O início de tudo: as referências normais e atípicas
Claro que sempre vamos beber dos clássicos da área — no caso de estratégia, podemos falar de Richard Rumelt, Roger Martin, Melissa Perri e por aí vai — e de fato isso é necessário.
Entender o que significa estratégia na visão de pessoas que já fizeram isso e documentaram é um bom jeito de visualizar quais são as “caixinhas” a serem preenchidas.
Mas tem um pulo do gato:
Conectar essas caixinhas mais conhecidas com outras referências de estratégia que provavelmente só você vai perceber.
Na prática, todo problema resolvido no mundo teve uma estratégia por trás. Sendo assim, toda obra de arte, todo documentário, todo vídeo game, decisões domésticas, conversas difíceis com nossos cônjuges, enfim, tudo isso é material pra se pensar estrategicamente.
Estratégia é simples, mas não é fácil. A equação se resume a um bom diagnóstico seguido de um bom plano de ação (como muito bem resumido em Good Strategy, Bad Strategy).
O que difere é o processo criativo que dá origem a essa estratégia.
Se o seu campo criativo se molda apenas por referências sobre estratégia, você provavelmente vai se alimentar muito de boas formas, mas não tanto de outros amplos conteúdos.
Toda produção humana nasce de uma lente única. E quando a gente coloca essa lente, enxergamos outros jeitos de resolver problemas.
O CERN e o Telescópio James Webb resolvem de formas bem distintas o mesmo problema: entender como tudo começou.
Quando percebemos esses outros jeitos e tentamos aplicar nos nossos problemas atuais, estamos sendo criativamente estratégicos.
E se eu te desse o seguinte briefing:
Faça uma série afrosurrealista. Um Twin Peaks pra rappers.
Bom, assista Atlanta e veja como Donald Glover (e time) resolveram esse problema.
Ser estratégico é saber o que fazer. E quanto mais temos contato com outras formas de ‘saber o que fazer’, mais estratégicos somos.
Como aplicar isso agora?
Navegue pelas suas referências criativas fora da sua área e encontre o seu ponto de vista sobre por que aquilo dá certo.
Nessa descrição do porquê dá certo vão estar “peças” pra tentar aplicar nos problemas que estiver resolvendo.
Criatividade estratégica: nosso ponto de vista
Toda estratégia é futurista.
Por definição, estratégia é um processo criativo. E processo é um hábito, não algo feito em algumas reuniões por ano.
Essa feitura envolve uma análise criteriosa da história, um olhar astuto sobre o presente e uma ousadia em direção ao futuro — e a receita de como misturar isso tá ali em cima.
Não se engane: mesmo em tempos de AI, observar o campo de jogo e ter a ideia certa do que fazer não é nada rápido.
Na prática, a criação de uma estratégia envolve uma lapidação constante das ideias dispostas e da forma de comunicar essa estratégia.
Você não vai acertar todas as lacunas e nem encontrar um conjunto foda de ações de primeira.
Nos primeiros testes você percebe que seu caso de uso não era bem aquele. O novo problema precisa de mais detalhes. Aí descobre que tá conectado com uma tendência de comportamento pouco explorada. Conecta isso com algo único da empresa. Descobre que não é tão único assim… E por aí vai.
Aqui o segredo é tentar ter um ponto de vista bem crítico sobre a estratégia de onde você trabalha; o tempo todo. Aceitar que a estratégia é viva e vai ganhando mais corpo dia após dia.
Divido esse olhar crítico em 2 grandes blocos:
Bloco 1
Entender profundamente os componentes da sua estratégia pra brincar com os níveis conceituais da coisa.
Exemplo: o motorista é um componente central na estratégia da Uber. Dentro desse componente existem vários símbolos e significados que podem ser explorados pra trabalhar a estratégia de forma única.
Bloco 2
Botar o chapéu do avesso e testar as decisões da estratégia ao contrário. Se virar sua estratégia ao contrário não for um posicionamento factível pro seu concorrente, é muito provável que você não esteja fazendo uma escolha realmente diferenciável.
Exemplo: imagine que boa parte da sua estratégia seja “ganhar market share” ou em “ser o melhor serviço xpto”. O contrário disso dificilmente seria uma estratégia. Seu concorrente vai estar no mínimo fazendo igual. Isso significa que nenhuma escolha real foi feita aqui.
Como aplicar isso agora?
Pergunte a si mesmo:
“Qual a minha opinião sobre a estratégia atual da empresa?”.
Escreva em um lugar. Troque uma ideia sobre essa opinião com alguém e veja onde você tá certo, onde tá errado, onde foi superficial. Lapide sua opinião e faça de novo. Faça o exercício do avesso. Tente ousar em alguma escolha. Brinque com uma categoria de pensamento.
Com o tempo, você vai perceber que até mesmo o seu olhar sobre seu próprio trabalho começa a mudar.
Por isso, é muito importante treinar nosso ponto de vista sobre as estratégias que nos rondam. É aí que o pensamento deixa de ser um exercício teórico e começa a virar condicionamento.
Estratégia como rotina: condicionamento cognitivo
Sabe aquela pessoa que você conhece que todo problema que chega nela ela resolve meio rápido? Parece que ela conecta tudo com velocidade e entende sobre tudo, então todo problema ela consegue sair com uma solução fácil? Essa pessoa (saiba ela ou não) é boa de exercitar estratégia.
Nosso ponto de vista é um músculo que fica meio atrofiado no dia a dia. Quando vamos pôr em prática, percebemos que não temos todas as informações que gostaríamos pra tomar decisões difíceis.
Reclamamos de algo na empresa e, quando vai fuxicar, descobre que ele tá ligado a um problema de política interna. Essa informação nova deixa a gente mais preparado pra fazer uma crítica mais robusta no futuro.
É como se você tivesse feito uma repetição a mais no exercício e progredido na série.
Com o tempo nossa visão sobre a empresa e o mercado vai ficando mais ampla e complexa.
Quando conectamos isso com nossa capacidade de conectar referências não óbvias (sessão 1) e com nossa capacidade crítica (sessão 2), ficamos mais “musculosos”, estrategicamente falando.
Como aplicar isso agora?
Não pare na reclamação sobre a estratégia da empresa. Tenha um ponto de vista e uma ideia de como você faria. Isso vai obrigar sua cabeça a pensar em elementos de decisão que não usamos normalmente.
Se você fosse o CEO de onde você trabalha, o que mudaria? E por que?
Documente as lacunas e contradições que você encontra no dia a dia da execução da estratégia da empresa, troque ideias sobre elas e sugira melhorias.
O pior que pode acontecer é você aprender mais sobre a estratégia da empresa e, consequentemente, ser mais estratégico.
Pensar estrategicamente e fazer estratégia não é algo feito por apenas algumas pessoas ou por alguns cargos. Estratégia é pra todo mundo!
Peças de Lego
Por último, uma dica bem prática que costumo falar sempre nos cursos e consultorias que realizo.
Peguem um ou mais frameworks de estratégia pra começar, mas não parem neles.
Eles são como caixas de Lego: é legal fazer o da capa pra ver como fica, mas o mais maneiro é juntar com outras pecinhas e fazer coisas únicas com a sua assinatura.
Eu, particularmente, sempre recomendo começar pelo combo Melissa Perri + Roger Martin + Ponte Oculta.

Gosto da abordagem da Melissa por ter a dimensão de tempo conectada com a visão da empresa, tentando colar isso com desafios de curto prazo. É um dos poucos frameworks que tem o tempo na história.

A cascata do Roger é legal porque dá uma visão completa de como a empresa entende o campo de jogo. O bacana aqui é a capacidade desse framework de cristalizar o contexto das decisões.

Desenvolvi isso depois de perceber que muitas vezes as empresas têm uma agenda boa na estratégia, mas ainda assim os times têm dificuldades em entender o porquê das coisas.
No meu diagnóstico, entendi que isso acontece porque, depois de um certo tempo comunicando a estratégia, a gente costuma esquecer de onde ela veio.
A história da estratégia fica oculta e, com isso, perdemos capacidade de comunicação.
Aqui uso ferramentas de design pra cristalizar o entendimento coletivo de como enxergamos o futuro se desenrolando, entendendo que ele é o objeto de resolução da nossa estratégia.
Como toda prática criativa, a curiosidade, a identidade e a liberdade tão intrinsicamente ligadas ao pensamento estratégico.
Por isso te convido a se relacionar com a estratégia dessa forma: criativa e cotidiana.
E se quiser ver como fazer isso na prática, no curso de Estratégia de Produtos Digitais que dou na Aprender Design passamos por 5 encontros ao vivo com exemplos de sucesso e aprendizado em casos reais. A próxima turma começa agora, 13 de outubro.
Seja você de qualquer área, a ideia é mostrar que na vida real, estratégia é pra todo mundo!
Renato Mendes, Estrategista de Portfólio na Avenue, escreve no Estratagema e é professor do curso de Estratégia de Produtos Digitais, da Aprender Design.
O curso está com vagas abertas e a última turma de 2025 começa 13/10. Inscreva-se.
Referências
- Richard Rumelt — Estratégia boa, estratégia ruimRoger Martin — Jogando pra vencerMelissa Perri — Product ThinkingGibson Bidle — Estratégia de Produto
Estratégia é pra todo mundo was originally published in UX Collective 🇧🇷 on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.
