Reflexões de um designer no universo dos agentes de IA.

O hype da IA nos últimos anos nos trouxe uma enxurrada de novidades, funcionalidades e uma vontade quase automática — de designers e principalmente de gestores — de embarcar no hype, colocando IA em qualquer parte do produto.
Mas, e se o real ponto de virada não inserir uma IA no produto, mas que precisamos repensar quem (ou o quê) está usando nossas interfaces — e como os agentes de IA já mudam a forma de projetar experiências?
Nessa ânsia e curiosidade tecnológica, comecei a experimentar o Comet, navegador com agente multimodal da Perplexity integrado. Há outros como o Dia, da The Browser Company ou a extensão do Claude pro Chrome.
Bastaram alguns dias de uso para perceber: eu interagia cada vez menos com as interfaces. Passei a delegar tarefas para o agente, usando comandos descritivos e só ir validando e/ou supervisionando o resultado.
Ao planejar uma viagem de aniversário com minha namorada, eu não fiquei horas pesquisando no Airbnb, vendo preços, lendo comentários, usando os filtros. Pedi ao agente uma lista de opções em com o clima de natureza que ela gosta, que as pessoas não tivessem reclamações graves e que pudesse levar nossa cachorrinha. O resultado foi uma lista quase se encaixava perfeitamente com o que queríamos e que fechamos com a primeira sugestão.

Ou por exemplo, quando vou fazer alguma compra online e quero economizar, em vez de sair caçando cupons em redes sociais, pedi ao agente para buscar, testar e aplicar o melhor cupom de desconto.
Tentei fazer uma compra sem entrar no site, descrevendo uma lista de produtos e o quanto eu gostaria de gastar. Ele buscou o produto, verificou que o preço tava acima do que coloquei, me perguntou se seguia, adicionou ao carrinho e me mandou o link da pagina de pagamento só pra eu confirmar dados do cartão e finalizar (basicamente assisti ele fazendo).

Além desse caso, dá pra ativar alertas, criar rotinas de pesquisa com temas que você precisa, enviar e-mails, remover inscrições indesejadas, preencher formulários e vários outros casos de usos que você pode fazer apenas com prompt de texto ou voz, se nem interagir com a interface das aplicações. Eu comecei a decidir quando e como eu queria interagir com a interface.
Um novo cenário: design para humanos e para agentes
Essa experiência reforça o que tenho lido em discussões acadêmicas recentes: estamos migrando para uma era de interação humano-agente-computador. O desafio passa a ser criar produtos que possam ser consumidos tanto por humanos quanto por essas IAs a serviço de um usuário. E aí surgem dilemas e demandas novas para o design:
- Estruturação semântica: Preciso pensar em informações preparadas e estruturadas para os agentes entenderem as tarefas.Intermediários invisíveis: Cada vez mais, o verdadeiro “usuário” da interface pode ser um agente. O produto precisa funcionar para ele para que funcione para o verdadeiro usuário. Como consigo entender esse comportamento?Experiência expandida: O clique deixa de ser ó único foco, o importante é garantir soluções fluidas, tanto via IA quanto por experiência tradicional.
Além disso, é impossível falar desse novo cenário sem pensar seriamente em acessibilidade. Se, por um lado, agentes de IA pode remover “barreiras”, automatizando tarefas, lendo, interpretando contextos e simplificando jornadas para quem tem limitações motoras, visuais ou cognitivas, por outro lado, surgem novos desafios será que estamos tornando todas essas possibilidades transparentes e controláveis para pessoas com diferentes necessidades?
Esse novo cenário obriga novas reflexões: como garantir ética, transparência e explicabilidade? Como o agente toma decisões? O que ele prioriza? E como comunicar ao humano o que foi feito em seu nome, sem perder o senso de controle? Como permitir que cada usuário decida até onde quer usar agente ou fazer manualmente?
Projetar produtos digitais para um futuro onde agentes de IA podem ser os intermediários (e, pode ser em breve, os principais usuários das interfaces) exige uma mudança no processo de design. Não é mais apenas desenhar apenas para cliques humanos: nossos fluxos, dados, microinterações e sistemas precisam ser legíveis, acionáveis e seguros para inteligências artificiais sem perder a empatia e autonomia dos usuários finais.
O novo papel do designer: arquitetando para inteligências
Algumas práticas fundamentais emergem desse novo contexto e quanto ao uso de IA tanto nas nossas aplicações, mas quando há uma agente:
- Estruture informações com semântica clara: Preparar textos, dados e APIs (ou os famosos MCPs) de modo que não apenas humanos, mas agentes possam acessar, filtrar e manipular sem ambiguidades.Priorize transparência e feedback auditável: Interfaces precisam mostrar e explicar o “porquê” das ações dos agentes, e oferecer revisões e confirmações ao usuário sempre que necessário.Ofereça flexibilidade de controle: Entregue opções para o usuário decidir até onde quer delegar para o agente versus atuar manualmente. Experiências híbridas potencializam confiança, autonomia e inclusão.Inclua acessibilidade como prioridade: Garanta que todos os modos de interação sejam acessíveis desde navegação manual, comandos de voz, até feedbacks do agente para pessoas com deficiências visuais, motoras ou cognitivas.Teste com agentes e humanos: Realize experimentos e pesquisas que envolvam tanto usuários tradicionais quanto agentes automatizados. Avalie os flows acionáveis, a interpretação semântica dos sistemas e a experiência final para todos.
O designer deixa de ser não apenas um arquiteto de experiências humanas, mas também cada vez mais se torna um arquiteto de informação para agentes, com o desafio de alinhar o design empático para humanos, entendendo comportamentos, desejos e emoções, mas também desenvolver interfaces que comuniquem, orientem entidades que não são como a gente mas já influenciam diretamente nas experiências digitais.
Talvez, no futuro próximo, nosso maior talento não seja mais só a sensibilidade visual e empática, mas nossa capacidade de desenhar pontes digitais entre pessoas e inteligências cada vez mais presentes e ao mesmo tempo invisíveis.
Referências
- Redesigning Browser UX/UI: What AI Agents Expect and Need. From Zero — Ghost.io, 2025.AI Agents Will Become the New UI, and Apps Take a Backseat. Salesforce News, 2025.AI + UX: design for intelligent interfaces. UX Collective, 2025.How Service Design Will Evolve with AI Agents. Nielsen Norman Group, 2025.Designing for AI Agents: 7 UX Patterns That Drive Engagement. Exalt Studio Blog, 2025.Human-AI Teamwork Interface Design Using Patterns of Interactions. Taylor & Francis Online, 2024.System for systematic literature review using multiple AI agents: Concept and an empirical evaluation. arXiv, 2024.Sam Altman’s 2025 TED Talk: The Future of AI, Ethics, and Data Privacy. AS Liri, 2025.
Quando a interface não é mais só sua was originally published in UX Collective 🇧🇷 on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.
