Nostalgia, surpresa e FOMO no centro de uma febre global.

Comprei meu primeiro Labubu em Los Angeles só “pelo meme”. Era para ser um souvenir excêntrico de viagem, mas bastou abrir a caixa para me apegar ao monstrinho de orelhas compridas e sorriso cheio de dentes.
De volta ao Brasil, percebi que não era só comigo: o boneco estava nos feeds, em vídeos de unboxing e até em manchetes sobre filas e revendas milionárias.
Criado pelo designer Kasing Lung em 2015 e lançado em 2019 como parte da série The Monsters, o Labubu transformou a Pop Mart em uma gigante dos brinquedos. Só no primeiro semestre de 2025, foram mais de US$ 2 bilhões em vendas, com um crescimento de 440% só desse personagem.
O que faz um boneco “feio-fofo” despertar tanta obsessão? E o que isso revela sobre as experiências que projetamos para as pessoas?
O feio-fofo e a estética da contradição
Labubu não segue o padrão de beleza das bonecas perfeitas. Com seu corpo de pelúcia e rosto de vinil, olhos grandes e assustadores e um sorriso de nove dentes pontiagudos, ele se encaixa na categoria ugly‑cuties, o “feio bonitinho”. A Pop Mart soube transformar esse contraste em vantagem: a contradição entre o estranho e o adorável cria uma tensão emocional que torna o personagem inesquecível. Esse “conforto caótico” dialoga com a estética da geração Z, que abraça o imperfeito e o inusitado.
Para designers, é um lembrete de que nem sempre a beleza clássica gera impacto; às vezes, o que nos causa estranhamento é justamente o que nos conecta à emoção.
Além da aparência, a Pop Mart construiu uma narrativa em torno do personagem. Labubu é apresentado como “travesso, mas de bom coração”, sempre tentando ajudar e causando pequenas confusões. Esse storytelling humaniza o boneco e permite que os usuários projetem nele suas próprias histórias e emoções.
A personalidade fictícia transcende o objeto e o transforma em símbolo de identidade cultural.
Blind boxes, variabilidade e dopamina
Se a estética desperta curiosidade, são as blind boxes que alimentam a obsessão.
A mecânica é simples: você compra uma caixa lacrada sem saber qual versão do brinquedo está dentro. Só após abrir descobre se recebeu um Labubu comum ou um raríssimo. Alguns têm probabilidade de 1 em 144.
Este modelo de recompensa variável espelha a lógica de jogos de azar: a incerteza dispara um ciclo de dopamina, nossa molécula de motivação. A expectativa do “e se?” mantém as pessoas engajadas e dispostas a repetir a compra na busca pelo item secreto.
Esse comportamento não é exclusivo de brinquedos. Aplicativos e redes sociais se apoiam em loops de recompensas variáveis — notificações imprevisíveis, curtidas e comentários — para criar hábitos. O livro Hooked de Nir Eyal, inspirado no trabalho de B.J. Fogg, descreve como a variabilidade mantém o usuário preso a uma experiência. A Pop Mart levou essa lógica para o varejo físico: máquinas de venda automática e lojas imersivas transformam a compra em um ritual de surpresa, em vez de um simples ato de consumo.
Para além da excitação, a escassez é parte do jogo: edições limitadas, collabs com marcas como Coca-Cola e drops sazonais alimentam o FOMO (fear of missing out).
Quando as unidades acabam, a percepção de valor dispara: um Labubu gigante foi leiloado por mais de US$ 150 mil, enquanto versões raras são revendidas por centenas de dólares no mercado secundário.

Comunidade, nostalgia e pertencimento
O sucesso do Labubu não se resume a mecânicas de azar. Há um fator social poderoso: o senso de pertencimento.
Influenciadores e celebridades — de cantoras do K‑pop a Rihanna e Dua Lipa — exibem seus bonecos como acessórios de moda. Milhões de vídeos de unboxing no TikTok transformam a revelação em espetáculo. O resultado é uma comunidade global que compartilha, troca e cria conteúdo em torno do brinquedo.
Esse pertencimento está fortemente ligado à nostalgia. Para muitos adultos, os blind boxes resgatam memórias de surpresas de infância, dos ovos de chocolate às figurinhas de álbuns e às máquinas de gashapon.
Pesquisas sugerem que lembrar de objetos da adolescência e pré-adolescência aumenta nosso bem-estar e o sentimento de conexão. É o que Michelle Parnett‑Dwyer, curadora do Strong Museum of Play, chama de reconexão com a criança interior. A Pop Mart surfa também na tendência kidult: adultos que buscam itens que remetem à infância para aliviar a ansiedade e expressar identidade.
O lado sombrio: ética e responsabilidade
Como designers, é preciso olhar para além da euforia.
O próprio design de Labubu levanta questões éticas. A venda em blind boxes se assemelha a loot boxes de games, tão polêmicas que projetos de lei no Brasil buscam regulamentá-las.
O neurocientista Robert Sapolsky lembra que a incerteza aumenta paradoxalmente a excitação e o prazer da recompensa, e justamente por isso pode gerar comportamento compulsivo. Quando uma criança ou adulto compra repetidas caixas em busca de um item raro, estamos estimulando um jogo de azar disfarçado de brinquedo.
Além disso, a cultura da escassez e da exclusividade pode criar exclusão socioeconômica. O hype transforma um objeto de US$ 27,99 em um artigo de luxo revendido por US$ 149. Falsificações e fraudes prosperam. Em maio de 2025, lojas da Pop Mart suspenderam vendas no Reino Unido após filas e brigas. As mecânicas de FOMO, quando extrapoladas, corroem a confiança e abrem margem para golpes e endividamento.

O que designers podem aprender
O caso Labubu é uma aula viva de psicologia aplicada ao design. Ele nos mostra como nostalgia, surpresa e comunidade podem ser ingredientes poderosos para criar experiências memoráveis. Mas também nos lembra de que tudo isso precisa ser conduzido com responsabilidade.
1. Projete para emoções, não apenas para funções.
O sucesso de Labubu prova que produtos se tornam ícones quando despertam sentimentos — seja nostalgia, curiosidade ou autoexpressão.
Pense em como as pessoas irão contar suas próprias histórias através do que você cria.
2. Cuidado com loops de recompensa.
Variabilidade e surpresa são ferramentas fortes, mas mal utilizadas podem induzir vícios. Transparência sobre probabilidades, limites de compra e opções sem azar podem mitigar danos.
3. Crie comunidades, não só consumidores.
Unboxings, trocas e colaborações geram um ecossistema onde os usuários participam ativamente. Valorize espaços de cocriação e feedback para que a marca evolua com a comunidade, não apesar dela.
4. Questione a escassez.
Limitar unidades pode aumentar valor, mas também exclui.
Experimente modelos que equilibrem exclusividade e acessibilidade, como edições ilimitadas com atributos diferentes. Considere o impacto ambiental e social da produção de produtos descartáveis.
5. Pense no longo prazo.
O hype pode levar a uma saturação rápida. Estruture experiências que vão além da novidade, com atualizações contínuas e histórias que se desdobram com o tempo.
Usuários fiéis não se formam apenas com sorteio, mas com valor genuíno e propósito.
Labubu é mais do que um brinquedo viral; é um espelho das nossas práticas de design e consumo.
Ao observar a Pop Mart transformar um elfo nórdico em uma febre global, percebemos como experiências desenhadas para surpresa, nostalgia e comunidade podem mover bilhões e redefinir comportamentos. No entanto, a mesma mecânica que gera encantamento pode escorregar para manipulação e dependência.
A reflexão que fica para nós, designers, é simples:
Qual emoção estamos escalando?
E, principalmente, estamos prontos para assumir a responsabilidade pelas consequências das experiências que projetamos?
Referências
- NPR — ‘Labubu’ is a plush toy that is causing a frenzy. Here’s its origin storyFast Company Brasil — Dossiê Labubu: como o fenômeno chinês chegou a R$ 10,6 bi em vendasNascode — What Marketing Tools and Strategies Did Pop Mart Use?LinkedIn (Rafael Araujo) — ComportamentUX #2 — Labubu: o colecionável que une nostalgia, curiosidade e design de experiência
Labubu e a sedução das blind boxes: o que o hype nos ensina sobre UX e design emocional was originally published in UX Collective 🇧🇷 on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.
