Por um novo design de produtos na era da IA.

Venho refletindo bastante sobre como a inteligência artificial está transformando a maneira de pensar e fazer design de produtos.
Todos os dias surge um novo modelo de linguagem, um agente autônomo, uma ferramenta mágica, um prompt milagroso. É tanta novidade que, se a gente piscar, perde o bonde. Mas, deixando um pouco o FOMO (fear of missing out, ou “medo de ficar por fora”) de lado, toda essa mudança me faz questionar se como trabalhamos hoje ainda faz sentido — afinal, estamos projetando o futuro com frameworks do século passado:
- Scrum nasceu em 1995.Design Thinking ganhou força nos anos 2000.O Double Diamond foi lançado em 2005.
Esses métodos foram moldados numa era pré-smartphones e apps, sem IA generativa, sem APIs como linguagem de negócios, sem a ideia de que designers poderiam ser mais do que artistas de interface.
Será que eles ainda aguentam o tranco de um mundo onde sistemas e dispositivos cada vez mais poderosos com IA redefinem o ritmo?
Ainda vale planejar roadmaps semestrais/anuais quando uma nova tecnologia pode virar seu projeto de cabeça para baixo da noite pro dia?
Ainda faz sentido tratar o ágil como dogma sagrado, quando a IA entrega protótipos enquanto você ainda debate o backlog?
Ainda dá pra apostar em frameworks lineares, quando o valor está em cada vez mais na entrega e menos nas metodologias, rituais e cerimônias intermináveis?
Essas questões martelaram minha cabeça depois de eventos como HackTown, onde palestrei sobre Vibe Coding (reapresentada na live que você confere logo abaixo), e no Rio Innovation Week, onde participei de um painel sobre IA na gestão de produtos.
Percebi que a IA não é só uma ferramenta a mais — ela é um terremoto que sacode as fundações do nosso jeito de trabalhar.
https://medium.com/media/9d61933d8b32c972a28daec8a0234969/hrefHonestamente, acho que muitos de nós ainda estão tentando encaixar ferramentas emergentes na nossa atual — e antiga — forma de trabalhar, como no início da internet, quando tentávamos replicar os formatos e métodos do mundo físico (outdoors, revistas, classificados, malas direta) em ambientes virtuais. Levou um tempo até vencermos nosso viés de custo irrecuperável: quando ficamos apegados a algo devido ao tempo investido neste algo; e percebermos o que não estava funcionando para, enfim, nos adaptarmos.
Vibe-Centric Diamond
Uma proposta muito atrevida da minha parte foi justamente repensar o bom e velho duplo diamante para esta nova realidade. Ele, o duplo diamante inventado pela Design Council lá em 2005, ainda é uma excelente ferramenta processual, mas com ferramentas vibe coding/designing, MPCs, agentes, GPTs, etc., as etapas do duplo diamante se confundem.
Início, meio e fim se fundem e se confundem:
- Imergir é IdearIdear é Materializar.Materializar é Analisar.
E com esta nova mentalidade surge o Vibe-Centric Diamond.
Mas que fique claro: o Vibe-centric diamond não é uma nova metodologia. Ele é um “antifluxo”; a subversão da linearidade e um chamado à reflexão.
Fase de Imersão
A imersão pode fazer uso da materialização para compreensão de problemas.
Posso recriar um cenário de estudo usando vibe coding para compreender o comportamento real do meu usuário e, com isso, gerar insights sobre o que precisa realmente ser resolvido.
Ex.: no contexto de um app de academia com a funcionalidade de trocar exercícios, parto da hipótese de que os usuários ficam confusos ao ver uma lista desordenada de alternativas, e que priorizar trocas rápidas e no mesmo aparelho reduziria a frustração.
Para validar isso, em vez de alterar o produto inteiro, crio um micro-protótipo independente que simula apenas a tela de troca, gerando em poucas linhas de código duas versões, a atual e a priorizada. Coloco esse recorte funcional mínimo na mão de usuários reais para observar se eles compreendem mais rápido, decidem com mais segurança e utilizam a função com menos atrito.
Fase de Análise
Posso analisar o comportamento das pessoas na ponta enviando vários links de fluxos diferentes do meu produto feitos em vibe coding para coletar insights. Realizar testes rápidos é superpoderoso, principalmente em fases iniciais de um projeto.
Ex.: ao repensar o checkout de um e-commerce, posso ter dúvida se o usuário prefere ver formas de pagamento todas juntas em uma tela única ou passo a passo em etapas curtas.
Em vez de esperar o design “final”, crio rapidamente em vibe coding três variações de fluxo (tela única, etapas curtas, etapas longas) e envio cada link para grupos diferentes de usuários. A análise vem ao observar métricas simples (tempo de conclusão, desistências, comentários espontâneos) e cruzar com percepções qualitativas. Assim, em poucas horas, já tenho dados comparativos que direcionam melhor a decisão de design.
Fase de Ideação
Esta é a fase que mais ganha com IAs Generativas, pois elas me empoderam a criar múltiplas formas de resolver um problema, incluindo alternativas criativas e mais “fora da caixa”. E o melhor é que dá para fazer isso no tempo que antes eu gastava apenas colando post-its em boards virtuais.
Ex.: ao desenvolver uma feature para um app de entregas, posso rapidamente materializar variações ousadas de interação, como uma interface step-by-step, uma interface conversacional, fluxos baseados em drag-and-drop ou até experiências gamificadas.
Assim, a ideação deixa de ser apenas imaginação e passa a ser experimentação prática, com protótipos reais que podem ser testados já nas fases iniciais do projeto.
Fase de Materialização
Como visto, esta fase permeia todo o diamante no processo de criação e dispensa exemplos diretos.
No processo tradicional, nesta etapa estaríamos construindo Figmas com uma das ideias encontradas na fase de ideação, e só depois de prototipado e codado é que teríamos algo real para testar. Com vibe-coding nós materializamos várias ideias antes de chegarmos na fase de “lamber tela” pra deixar tudo redondinho para desenvolvimento.
Eu ainda não acho que estamos prontos para colocar em produção produtos feitos em vibe-coding, mas esta realidade está muito próxima.
Isso não significa que imagino um futuro no qual desenvolvedores serão descartados; muito pelo contrário!
Vibe-coding é engenharia de software em linguagem natural. Com a mentalidade do vibe-centric design, desenvolvedores se tornam guardiões do processo, experimentando junto aos designers e produteiros, mas com o viés de funcionalidade (lidando com modelagem de banco de dados, integrações de APIs. etc.).
E para não dizer que isso é só coisa da minha cabeça, em recentíssimo relatório divulgado pelas empresas Foundation Capital e Designer Fund, um dos primeiros tópicos relevantes ressaltados — entre muitas outras coisas — é justamente sobre como a IA “reverteu completamente” o processo design.
Dando ao designer a capacidade de criar vários rascunhos conceituais e gastar mais tempo em refinamento; tempo que antes seria gasto no simples atrito de começar.

E entre os principais insights do relatório surge justamente o Vibe Coding reescrevendo o processo de design.
Nas palavras do relatório, ao invés de seguir um caminho linear, times de design estão pulando as etapas de mockups estáticos e pulando direto para produtos funcionais, expondo logo cedo designs aos usuários e permitindo melhorias e adaptações com base em comportamentos reais!

A IA está dissolvendo barreiras e nos desafiando a repensar tudo
Pense nisso: a IA não se limita a Vibe Coding ou ferramentas de design generativo. Estamos falando de modelos que analisam dados em tempo real, geram insights de usuários sintéticos sem pesquisa formal, criam fluxos inteiros a partir de uma conversa.
Hoje, qualquer um com repertório para entender problemas, visão de negócio e curiosidade pode:
- Prototipar soluções viáveis sem depender de código manual;Testar hipóteses em horas, não semanas;Mapear dores do usuário com a velocidade de um supercomputador;Iterar ideias antes que o café esfrie.
Os rótulos estão derretendo.
Estamos numa era em que designer pode fazer código, desenvolvedor pode fazer negócio e negócios pode fazer design. As linhas que separam o velho diagrama de Venn já quase não se veem! (desculpa pelo trocadilho inevitável)
Começa a surgir a necessidade da quebra de paradigma das atribuições dos profissionais que atuam em produtos. Com tanto poder nas mãos, os quais dão imensa autonomia aos profissionais de todos os tipos para construírem produtos do zero ao cem, talvez seja hora de se identificar como Product Creator ao invés de ‘meros’ UXs, UIs, PDs, POs, Techleads e/ou Devs.


A distinção entre designers e engenheiros (desenvolvedores) está se dissolvendo. Criação não deveria ser dividida por títulos, handoffs ou silos. O futuro pertence aos “builders” — pessoas que sonham, criam e trazem ideias à existência.
- Ryo Lu, Head de Design @ Cursor
Desaprender pra reaprender
Passamos anos decorando métodos que nos entregavam algum nível de segurança ao segui-los, mas agora precisamos resgatar a coragem de criar sem “rede de segurança”, numa era mais V.U.C.A. do que nunca. E mais uma vez surge (com urgência) a necessidade de vencermos o viés de custo irrecuperável de todos os modelos que investimos esforço até agora, desaprender o que não faz mais sentido e reaprender a trabalhar com as novas heurísticas desta nova era.
A IA nos dá a chance pra experimentar, brincar, errar rápido, mas muitos ainda travam perante a liberdade que a ausência de processos claros e encaixotados oferece.
- Travamos porque queremos controlar cada passo;Travamos porque o medo de parecer inexperiente pesa;Travamos porque aprendemos a jogar seguro — e agora precisamos arriscar.
A IA não vai esperar você se sentir pronto. Ela já está redefinindo o jogo, apenas esperando sua disponibilidade para aprender/construir o novo jeito de fazer produtos.
A IA não substitui designers. Substitui quem age como máquina
A boa notícia? Se a gente se mexer e começar a pensar no futuro da profissão desde já, ao invés de nos substituir, a IA vai alavancar nossas potencialidades humanas! Me arrisco até a dizer que ela, a IA, vai nos desrobotizar.
Ela é uma aliada, não uma desculpa. Um atalho pra quem tem direção — e um labirinto pra quem tá perdido.
Pense no impacto: equipes inteiras podem colapsar silos, entregando valor em dias, não meses. Mas isso exige que abandonemos a ilusão de controle e abracemos a incerteza como aliada.
O jogo mudou. E as regras? Estão sendo reescritas por quem ousa jogar diferente.
E você, está pronto pra essa nova arena?
A IA já está aí, desafiando tudo o que sabemos. Que tal dar o primeiro passo?
Teste uma ideia com IA hoje e compartilhe nos comentários: o que você criou? Vamos trocar provocações e inspirações!
(Curtiu o papo? Veja meu artigo anterior no UX Collective: “Vibe Coding: O superpoder que faltava para UX Designers”, pra mergulhar mais fundo.)
Referências e links úteis
- Publicação que deu origem ao artigoThe Developer’s ConferenceRio Innovation WeekProjetando Realidades: O entendimento do cérebro humano no design de experiências do usuário. Felipe CarriçoWhy I’m Not Worried About My UX Job in the Era of AI. Raluca BudiuYour design process is too slow. Zeeshan KhalidVibe coding: O superpoder que faltava para UX Designers. Felipe A. CarriçoState of AI design Report
Do Double Diamond ao Vibe-Centric Diamond was originally published in UX Collective 🇧🇷 on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.
