Uma palestra de Frederick van Amstel.

“A maioria das teorias e métodos de design são feitos pra sustentar as hegemonias que já existem na sociedade.
Só que, ao tentar manter essas estruturas, os designers acabam percebendo que elas são insustentáveis, injustas e até desumanas.
É aí que alguns, quando desenvolvem uma consciência mais crítica, sentem a necessidade de mudar: de ‘projetar para’ para ‘projetar contra’ as hegemonias.”
— Frederick van Amstel (tradução livre)
Bom, aqui o papo vai ser sobre hegemonia. Ah, também sobre trabalho e política. Na verdade, sobre tudo que deveria ser falado natural e abertamente em nossa profissão, mas que acaba sendo marginalizado por conta da própria hegemonia.
Assim como no texto anterior, esse aqui é sobre uma palestra que resumi bem resumidinho pra te dar um spoiler e trazer esse assunto pra mesa.
Dessa vez, quem vai “dar o papo” é o pesquisador e designer brasileiro Frederick van Amstel, que também tem muito o que oferecer em nossa procura por um design utópico.
Inclusive, assista ao vídeo original depois de ler aqui também. Sério, papo de amigo. Tem muito mais detalhes e exemplos. Se precisar, testei a legenda em português e funciona bem.
A hegemonia no design
Frederick começa sua palestra resumindo o conceito de hegemonia pela visão marxista. Ele defende que existe uma relação de troca entre:
- Superestrutura: que são os aspectos ideológicos e organizacionais da sociedade, aqueles que direcionam, exploram e distribuem a riqueza; eInfraestrutura: formada pela classe trabalhadora, as fábricas e as condições materiais da vida em sociedade.
Ou seja, a hegemonia seria o processo de luta e controle da realidade, onde a superestrutura busca dominar a infraestrutura e vice-versa.

O design, por sua vez, vira instrumento pra que a hegemonia atual seja respeitada. Mesmo que inconscientemente. Quer dizer, principalmente porque é feita de forma inconsciente.
Isso porque a opressão acontece quando os oprimidos acabam agindo a favor dos opressores, porque passam a acreditar que a estrutura de poder deles é melhor do que a sua própria.
Assim, a opressão se mantém pelos dois lados: os oprimidos aceitam a dominação no longo prazo, enquanto os opressores fazem concessões estratégicas de curto prazo — parecem bondosos ou “justos” — só pra garantir que continuem no controle depois.
Pra explorar essa teoria, Amstel fez um teste simples no Google Scholar: procurou pesquisas de design usando duas frases-chave — designing for (design para) e designing against (design contra).
Quando ele pesquisou “designing for”, os principais resultados foram:
- design para consciência situacional;design para crianças;design para mudança de comportamento;design para a era digital.
Tudo isso são exemplos, segundo ele, de pesquisas que, na real, acabam apoiando as hegemonias já existentes.
Agora, pra pesquisa “designing against”, o que apareceu foi:
- design contra o crime;design contra o vandalismo;design contra o roubo de bicicletas.
Ou seja, em vez de desafiar a ordem social, esse tipo de design pesquisado tá mais preocupado em proteger e reforçar o status quo.
Pra fechar, um dado que chama ainda mais atenção:
- “Designing for” tem mais de 500 mil artigos publicados.“Designing against”? Mal chega a 5 mil.
A pergunta que fica é: será que o design é, por natureza, hegemônico? Ou melhor, será que dá pra imaginar um jeito real e prático de projetar contra a hegemonia?
Segundo Frederick, o design, ao se limitar ao “designing for”, permanece nos limites de espaços hegemônicos, falhando em imaginar alternativas.

Resumindo, muitas dessas alternativas são descartadas como “impossíveis” porque “somos condicionados a não pensar nelas.” A pesquisa em design contra-hegemônico opera nas fronteiras do “possível” versus “impossível” e “aceitável” versus “inaceitável,” “expandindo nossa imaginação coletiva.”
Será que aqui estamos falando literalmente em “pensar fora da caixa”? (risos contra-hegemônicos)
O design contra a opressão e pela libertação
Amstel também comenta sobre seus projetos e parcerias, que exploram o design pra libertação através de várias iniciativas.
Inclusive, ele conta que, no começo de tudo, seus projetos se pautavam em “liberdade” (software livre, design livre), mas não tinham ainda um conceito claro de “libertação”. Só depois de revisitar o trabalho através da lente dos estudos sobre opressão, perceberam estarem lutando “contra a opressão”, e não apenas pela liberdade.
Pra você ter um gostinho, esses são alguns dos projetos citados:
- Faber-Ludens Interaction Design Institute (2007): ele co-fundou este instituto no Brasil, cujo trabalho inicial envolveu a “digestão” metafórica de tecnologias estrangeiras e a reinterpretação delas através da cultura local;Plataforma Corais (2011): criada pra estender a abordagem de código aberto do instituto a outros campos. A plataforma Corais, ainda ativa com mais de 700 projetos colaborativos, apoia o movimento da cultura digital no Brasil, ajudando usuários a preservar e atualizar a cultura popular tradicional e a sustentar seus meios de vida diante de cortes no financiamento cultural;Design & Oppression (2020): co-fundada para organizar grupos de estudo, desenvolver recursos educacionais online e publicar artigos acadêmicos sobre design e opressão, examinando relações históricas frequentemente negligenciadas na pesquisa e teoria do design;Design and Oppression Network (2020): essa rede organizava sessões online, incluindo a peça de teatro “Wicked Problems, Wicked Designs” apresentada em uma conferência na Alemanha;Laboratório de Design Contra a Opressão (LADO, 2023): fundado na universidade, o LADO é um laboratório auto-organizado, onde os estudantes tomam a iniciativa e colaboram em experimentos de design contra-hegemônicos.
O design contra a opressão não se limita a projetar soluções intencionais, mas também ajuda na desconstrução de ideias hegemônicas e na promoção de estéticas e filosofias que subvertem o status quo opressor.
Feliz ou infelizmente, ainda tem muito o que fazer em busca de uma sociedade mais justa e igualitária. E o design é uma das ferramentas essenciais pra construir esse futuro melhor.
Se quiser conversar sobre formas de fazer design contra a opressão, comenta aqui ou me chama! Seguimos ✊
Aquele abraço!
Referências
Designing For/Designing Against, de Frederick van Amstel.
Design contra a opressão was originally published in UX Collective 🇧🇷 on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.
