Sim, ainda existe amor no mundo e ética no design. Pra qualquer um dos dois, você só tem que procurar bem.

“Com a entrada do Homo sapiens em qualquer competição de design intergaláctico, nossa civilização industrial seria eliminada na fase de classificação.
Ela não se encaixa. Não durará por muito tempo. Está fora de escala. E até mesmo seus defensores admitem que não é muito bonita.
Os fracassos de designs de sociedades industriais e tecnologicamente orientadas são evidentes na perda de diversidade de todos os tipos, na desestabilização dos ciclos biogeoquímicos da Terra, na poluição, na erosão do solo, na feiura, na pobreza, na injustiça, na decadência social e na instabilidade econômica.”
— David W. Orr
Tenho escrito sobre pessoas designers que têm como missão levar o design pra esferas utópicas.
Mas e quando essas pessoas formam organizações e conseguem interferir na vida de muito mais pessoas? Inclusive, chamando mais designers pra ação? Pois bem, esse é o caso desse texto aqui.
Ou seja, agora vamos dar voz a organizações que defendem visões consideradas utópicas pra nossa atuação no mundo atual. Que acreditam no design como oportunidade de construir um mundo melhor e entendem sua responsabilidade perante a sociedade — e sim, o “dar voz” é trazer suas próprias falas e metodologias pra cá.
Organizações e como fazem design

Barefoot architects
Nossa missão é capacitar e apoiar todas as pessoas a projetarem e construírem sua própria casa, transformando a forma como vivem com base na visão e nos valores que guiamos como escritório.
Colocamos práticas éticas no centro de tudo o que fazemos. Queremos dar o nosso melhor pelas pessoas com quem (e para quem) trabalhamos, pelo planeta e seus ecossistemas, e pelos lugares e comunidades que nosso trabalho impacta.
Nosso objetivo com isso é garantir que nosso trabalho seja positivo e regenerativo, e contribua para criar um mundo melhor, do qual todos possamos nos orgulhar.
Nossa jornada começa na Inglaterra. Mais especificamente, em Brixton.
Dentre os muitos projetos e iniciativas que esse grupo de arquitetos e designers realiza, queria focar em um: regenerative design (design regenerativo).
A ideia basicamente é: quando a gente constrói alguma coisa (tipo uma casa ou prédio, no caso da galera da Barefoot), dá pra fazer isso de um jeito que ajude o planeta. Não só evitando estrago, mas realmente fazendo bem pra ele. E aqui um ponto importante, a saída da sustentabilidade pra entrada de algo mais a longo prazo, a regeneratividade.
É tipo ver o projeto todo com uma visão mais completa, cuidando da natureza, pensando na saúde de quem vai usar o espaço, no impacto de onde vem os materiais, e também em quem trabalha pra extrair, processar e instalar tudo. Ou seja, é pensar em tudo mesmo, do começo ao fim.
Ousado e beira o utópico, né?

Toda essa preocupação e iniciativas pensando no futuro são refletidas em muitos prêmios no mundo da arquitetura e design — além, claro, dos exemplos reais de construções e comunidades regenerativas.
Deixei fácil pra você acessar aqui o guia paragraph 84, documento que descreve todos os valores que a Barefoot utiliza em seus designs sustentáveis. Vale o estudo!
https://medium.com/media/76fe33d457103727e8ff86dbafd41744/href
Design Council
A primeira missão da Design Council era “promover, por todos os meios possíveis, a melhoria do design nos produtos da indústria britânica”.
Ela foi criada em 1944, durante o governo de guerra do Churchill, pra ajudar na grande missão da época: recuperar a economia depois da guerra.
Com o tempo, a Design Council virou a principal conselheira estratégica de design no Reino Unido.
Saímos da Inglaterra pra algo mais substancial: o Reino Unido inteiro.
Embora a origem da Design Council seja em um contexto totalmente diferente do atual, podemos dizer que ela saiu de uma organização “tradicional” pra algo “de vanguarda”.
Isso porque, além de todo o trabalho em prol de um design sustentável nas últimas décadas, desde 2023 a galera da Design Council assumiu mais uma responsabilidade: ajudar a acelerar a mudança pra uma economia também regenerativa — ou seja, uma forma de viver e produzir que realmente ajude o planeta a se recuperar.
Agora, claro, construir um mundo regenerativo, pra todo mundo, é um objetivo a longo prazo. Vai levar muitos anos e exige muito mais do que só design. Mas sem um bom design, não rola. Ele é parte essencial do caminho. Ele é ponte, é poderoso, pode ser libertador.
Por isso, a premissa da organização agora é juntar forças entre quem trabalha com design, quem contrata, o governo… todo mundo precisa entender o poder que o design tem e usar isso ao máximo pra acelerar essa virada. Porque não dá mais pra perder tempo.

Inclusive, reuniram dados importantes sobre como o design pode impactar o mundo:
- 80% do impacto ambiental dos produtos é decidido ainda na fase de design (Fonte: European Commission, 2012);40% das emissões de carbono vêm da indústria de construção (Fonte: UK Green Building Council);45% da redução necessária nas emissões globais de gases de efeito estufa tem que vir de produtos do dia a dia (Fonte: Ellen MacArthur Foundation);33% das soluções eficazes e de baixo custo para mitigar as mudanças climáticas podem vir de soluções baseadas na natureza (Fonte: Capitals Coalition).
O nome desse projeto utópico? Design for planet (Design pelo planeta).
https://medium.com/media/2abc3a40af52386cf53a41354df55036/href

Formafantasma
Formafantasma é um estúdio de design baseado em pesquisa que investiga as forças ecológicas, históricas, políticas e sociais que moldam a disciplina do design hoje.
Seja projetando para um cliente ou desenvolvendo projetos de iniciativa própria, o estúdio aplica a mesma atenção rigorosa ao contexto, aos processos e aos detalhes.
A natureza analítica da Formafantasma se traduz em resultados visuais, produtos e estratégias meticulosos.
Do Reino Unido pra Itália e Holanda. Mais especificamente, Milão e Rotterdam.
Desde que fundaram o estúdio em 2009, os italianos Andrea Trimarchi e Simone Farresin defendem o design como uma ferramenta de mudança — mais do que criar produtos bonitos, eles buscam um design com valor, que faça sentido no contexto social e ambiental.
O objetivo deles é fazer com que a gente entenda melhor tanto o mundo natural quanto o construído e propor soluções transformadoras por meio do design, considerando tudo: materiais, técnicas, aspectos sociais e até o discurso envolvido.
O legal é que, pra eles, a experiência dos projetos comerciais e os próprios projetos autorais se complementam. A troca de conhecimentos entre esses dois lados ajuda a aprimorar o trabalho, trazendo uma visão única sobre a indústria do design.
Como exemplo de trabalho, vou trazer um singelo case.

O projeto Botanica foi encomendado em 2010 pela Plart, uma fundação italiana focada em pesquisa científica e inovação tecnológica voltada à recuperação, restauração e conservação de obras de arte e design feitas de plástico.
Os objetos dessa coleção foram projetados como se a era do petróleo — em que vivemos — nunca tivesse existido. Quase como historiadores, o estúdio Formafantasma investigou o período anterior à baquelita, descobrindo texturas, sensações e possibilidades técnicas inesperadas oferecidas por polímeros naturais extraídos de plantas ou derivados de animais.
Com esse projeto, o Formafantasma oferece uma nova perspectiva sobre a plasticidade, reinterpretando técnicas centenárias que ficaram esquecidas sob a aparência “impecável” da produção em massa.
É muito interessante entender como eles escolhem os materiais e tratam todo o processo de produção como algo artesanal, mas aprofundado. Tudo tem motivo pra ser como é. E só entra no design se for bom pra tudo que forma o contexto em que aquele objeto se encaixa.
https://medium.com/media/3a934f878b74a9028a1debab10f5e443/hrefPra fechar, fica o convite pra um texto que escrevi contando a experiência de ter criado um projeto social e cultural com alguns amigos designers, em São José dos Campos, entre 2018 e 2020.
Ensaio sobre um design socialmente engajado
E, como já tinha concluído naquele artigo, o design tem o poder de criar utopias e precisamos resgatar isso. Posso contar com você?
Como eu disse no início, esse artigo faz parte de uma série (acidental) que reúne pessoas e ações que traduzem ideias e pensamentos sobre o design intencional como forma de melhoria social 👇
Se quiser conversar sobre design, comenta aqui ou me chama!
Aquele abraço!
Referências
Livros e artigos
- Design como atitude, de Alice Rawsthorn;Design ethics: the importance of ‘doing right’ by your users, de Rosanna Alam;Formafantasma: formation, de Friedman Benda;Design Council legacy;Paragraphy 84, a client’s guide to how we work, de Barefoot Architects;
Vídeos
Organizações que também querem um design utópico was originally published in UX Collective 🇧🇷 on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.
