Operar bem o que exclui, ainda é excluir.

“DesignOps é sobre escalar design”. Essa frase já virou jargão. Está em palestras, job descriptions e reuniões semanais. Mas pouca gente completa o raciocínio com o que realmente importa:
DesignOps é sobre escalar decisões.
E toda decisão é um filtro: define quem acessa, entende, é bem-vindo, e quem sistematicamente fica de fora com método, com processo, com OKRs.
Quando a acessibilidade não entra na equação estratégica, o que se escala não é eficiência — é o viés, a exclusão em design tokens, guidelines, fluxos e entregas.
É a repetição orquestrada de escolhas que já deixavam pessoas de fora, só que agora com mais consistência, mais velocidade e menos questionamento. E não adianta ter processo impecável, entrega sincronizada e componente padronizado se a base continua excludente.
Incluir depois nunca é incluir de verdade
Acessibilidade que entra só na sprint final não é melhoria contínua. É improviso bem-intencionado que só reforça a lógica de que algumas pessoas podem esperar — e elas já esperaram demais.
Por isso, o problema não é só técnico, é estrutural.
Estamos operando DesignOps com OKRs e documentação afiada, mas ignorando a pergunta mais importante:
“Quem estamos deixando de fora?”
Se a acessibilidade não está no briefing, na governança, nos critérios de qualidade, nem nos indicadores de sucesso, ela também não vai estar no produto. E se não está no produto, não está no negócio.
A acessibilidade não é obstáculo de prazo
É um diferencial competitivo: um design system acessível não só evita retrabalho, risco legal ou PR negativo; ele amplia o mercado, aumenta a base de usuários, melhora a performance real e mais do que isso:
Entrega valor onde antes havia silêncio.
Acessibility DesignOps é o ponto de virada: Não é sobre inserir “inclusão” como tarefa extra. É sobre integrar a acessibilidade em todas as frentes operacionais, desde o início.
E isso muda tudo inclusive onde menos se espera.

Visual Design e Ilustração
Visual design e ilustração ainda são territórios esquecidos quando o assunto é acessibilidade.
Já avançamos em frameworks, em design system, em testes de contraste. Mas quando o papo é representação visual com acessibilidade real, o campo ainda é raso e as referências, raríssimas.
Ilustração acessível não é uma imagem “bonitinha” com ALT automático.
É uma escolha estratégica. Uma composição intencional que traduz diversidade, comunica sensações e convida mais gente pra experiência.
Acessibility DesignOps aqui significa:
- Criar paletas de cor com representatividade e acessibilidade. Escolher cor não é “só” ser moderno ou vibrante. É entender contraste, acessibilidade e como diferentes tons impactam pessoas com baixa visão ou neurodivergentes. Testar precisa ir além das ferramentas automáticas requer olhar, percepção humana, contexto cultural.Garantir que ilustrações não reforcem estereótipos e sejam pensadas para que a experiência seja genuína, empática e inclusiva.Validar se o sistema visual é legível por pessoas com baixa visão, daltonismo ou dislexia. Escrever descrições que emocionam, não só descrevem.Incorporar design sensorial que comunica além da imagem: pelo tato, pela metáfora, pela emoção.
Uma pessoa cega pode nunca ter visto a cor vermelha. Mas pode reconhecê-la na metáfora do calor, da maçã, do sol no rosto. Isso também é visual design. Também é acessibilidade.
No entanto ainda é comum se tratar visual design como camadas estéticas e não como camadas de significado.
Visual design e Ilustração acessível é estratégica.
Não é só estética: é narrativa, contexto e é sentimento.
Quando conseguimos unir estética, inclusão e representatividade, criamos comunicação poderosa capaz de gerar conexão com quem muitas vezes ficou invisibilizado.

Motion Design
Motion design pode ser lindo.Mas quando feito sem intenção, também pode excluir — em 60 quadros por segundo.
Muita gente ama uma animação fluida. Uma transição que desliza. Aquele efeito WOW que dá gosto de ver. Mas… E quem assiste com labirintite? Epilepsia? TDAH? Autismo? Sinestesia? E quem só quer entender o que acabou de acontecer… antes de outra coisa voar na tela?
Nem todo corpo acompanha o mesmo frame rate. E mesmo assim, seguimos animando tudo como se o mundo inteiro fosse em 60fps.
Precisamos entender que acessibilidade em motion não é só “evitar piscar”.
É sobre ritmo.
Timing.
Controle.
Sentido.
Nem toda mente decodifica 0,3 segundos de caos visual. Nem todo cérebro acompanha um fade-in frenético com som estourado. E, sim: nem toda interface precisa se mover o tempo todo pra ser memorável.
Ainda tratamos motion como enfeite. Quando, na prática, motion é linguagem visual + intenção estratégica.
Motion pensado com acessibilidade desde o briefing não é menos criativo.
É mais consciente, conectado com o propósito, e mais eficaz com quem realmente importa: o usuário real.
É pensar em:
- Controle de animaçãoTempo de permanênciaMetáforas sensoriaisFeedback tátilDescrição claraE testes com gente de verdade não só com Figma ou After Effects.
Motion com estratégia encanta.
Motion sem intenção só impressiona (e às vezes nem isso).
Se seu design só funciona pra quem não pisca, talvez ele não funcione de verdade. Quer inovação real? Então crie uma interface:
- Que mexe sem desorientar.Que emociona sem confundir.Que comunica sem deixar ninguém pra trás.
No fim das contas, o movimento mais importante é o de trazer mais gente pra dentro. Com clareza. Com intenção. Com responsabilidade.
Porque design que se move rápido demais pra ser sentido não conecta; cansa. Ou pior… Exclui. Por isso, a pergunta que fica é:
Você está criando animações que movem o olhar, ou experiências que movem as pessoas?

Design Systems
Talvez o lugar onde a acessibilidade mais precise deixar de ser exceção e virar regra.
Design Systems são o código-fonte da escala.
Se você ignora a acessibilidade em Design System, está:
- Espalhando exclusão para todo o ecossistema de produto.Criando componentes que se repetem e falham com consistência.Codificando viés em cada novo projeto.
Tokens, documentações, guidelines, bibliotecas tudo precisa refletir a diversidade de quem usa. Um design system acessível:
- Cria tokens de contraste desde o inícioDefine guidelines com uso de linguagem claraExplicita padrões para interações com leitores de tela, navegação por teclado e motion controlável
E isso não se faz copiando o que o time do Vale do Silício fez.
Se faz escutando quem nunca foi incluído no início; inclusive os que ninguém mencionou no kick-off.

ContentOps
Se o conteúdo não for acessível, o design vai falhar mesmo que esteja lindo.
ContentOps precisa ir além da governança de tom de voz ou alinhamento entre squads. Precisa incluir:
- Textos claros, objetivos e traduzíveis.Legendas, transcrições e descrições alternativas que informam, emocionam e não só descrevem. Não pode ser um apenas “cumprir tabela”.Termos que respeitam as vivências de quem lê: pessoas neurodivergentes, pessoas com deficiência, 50 anos +, não nativas digitais…Narrativas mais inclusivas, que não tratam deficiência como erro ou obstáculo a ser superado.
Narrativas capacitistas do tipo “superar a deficiência” ainda são normalizadas em conteúdo institucional. ContentOps com acessibilidade ajudam a desarmar esse tipo de mensagem, substituindo clichês por empatia real, contexto e impacto positivo.
Um conteúdo só é estratégico se ele chega pra todo mundo.
Inclusive pra quem lê devagar, pra quem ouve por legenda, pra quem decodifica por imagem.
ContentOps acessível é a ponte entre o design e a compreensão.
Sem ela, toda experiência é um ruído.

ResearchOps
Se sua operação de pesquisa ignora pessoas com deficiência, o que você está descobrindo? Nada novo.
Você só está entrevistando quem já tem acesso. Só está ouvindo quem já fala a “língua padrão”.
Acessibility DesignOps exige:
- Processos de recrutamento realmente inclusivosFerramentas acessíveis (de formulário a videoconferência)Entrevistas e testes adaptados para diferentes formas de comunicaçãoInclusão de pessoas neurodivergentes e com deficiência como parte da jornada não como estudo de caso.
Neurodivergência também precisa entrar na régua da pesquisa. Pessoas disléxicas, autistas, com TDAH ou outras formas de processamento têm experiências riquíssimas mas que passam despercebidas se a pesquisa ignora seus tempos, formatos e modos de expressão.
Sem isso, você não está fazendo pesquisa; está só reafirmando a bolha.
Um ResearchOps acessível é aquele que descentraliza o modelo normativo de usabilidade. E começa a ouvir quem sempre foi o último da fila.

A pergunta que precisa ecoar em todo DesignOps:
“O que estamos escalando? E pra quem?”
A acessibilidade não é sobre colocar um rótulo de “inclusivo” depois. É sobre garantir que ninguém precise pedir permissão pra participar.
É sobre projetar com mais vozes na mesa. Com mais vivências no briefing. Com mais consciência no entregável — e isso exige uma mudança de lógica e não só de processos.
Accessibility DesignerOps
DesignOps sem Acessibilidade não é Ops; é omissão e exclusão disfarçada de eficiência. E aí, uma pergunta incômoda surge (ou deveria surgir):
Se o processo não considera todas as pessoas, ele realmente está operando bem?
De que adianta escalar um processo excludente com mais eficiência?
Porque o que mais vejo por aí é time discutindo design system, governança, componentização… Mas quase ninguém falando sobre como incluir acessibilidade na raiz da operação.
E esquecendo que acessibilidade e inclusão também precisam de operação. Precisa de processos, rituais, métricas e responsabilidades claras.
Acessibilidade não é um item no checklist. É uma camada que precisa estar desde o briefing até o deploy. Desde o design token até a cultura de produto.
E é aí que entra uma figura que ainda é rara, mas urgentemente necessária: um(a) Accessibility DesignerOps.
Um papel que não se limita a “garantir que os componentes passem nos testes automáticos”. Mas que pensa acessibilidade como cultura, processo e prática transversal.
Que atua entre design system, documentação, processos de QA, guidelines e formação de times. Alguém que costura inclusão nas entranhas da operação. Não como “ajuste fino”. Mas como ponto de partida.
Porque acessibilidade sem estrutura vira esforço isolado. E esforço isolado não transforma cultura, só sobrecarrega quem tenta.
Esse papel levanta perguntas desconfortáveis, mas necessárias:
- Nossa biblioteca de componentes é realmente acessível ou só passou no axe?Os handoffs para devs garante semântica e navegação por teclado ou empurra isso pra última sprint?As métricas de design consideram pessoas com deficiência, neurodivergência ou só os “usuários médios”?Os guidelines falam de cor e contraste mas falam de linguagem inclusiva?
A acessibilidade e inclusão precisa de operacionalização estratégica. Sem ninguém está puxando esse assunto na operação, o discurso de acessibilidade morre nos decks de apresentação bonita, mas sem lastro.
Precisa deixar de ser uma iniciativa “do time de acessibilidade” e se tornar parte do núcleo de design ops.
E antes que alguém diga: “Ah, mas esse papel não existe na minha empresa…” — eu devolvo com outra, ou melhor, outras perguntas:
- Quantas pessoas com deficiência participaram da construção do seu Design System?Quantas decisões de processo foram feitas considerando experiências diversas e acessíveis?Quem é, a pessoa responsável por garantir que sua operação de design não exclua sistematicamente milhões de pessoas?
Se a resposta for “ninguém”, talvez seja hora de rever prioridades.
E repensar o que realmente significa escalar design com qualidade.
Referências
Profissionais atuantes na área:
- Fernanda Szeremeta — UX Motion Designer | acessibilidadeIsabelle Utsch — Accessibility Design Ops | Accessibility GameJefté Macêdo — Head de Produto | UX Research | acessibilidadePaula Völker — Design Lead & Content Ops | acessibilidadePaulo Aguilerra — Design Ops Manager | acessibilidadeThaís Cabral Miranda — UX Motion Designer | acessibilidadeWagner Rocha — Visual Designer e ilustração | DA & Marketing | acessibilidade
O DesignOps que o mercado precisa (mas ainda não tem) was originally published in UX Collective 🇧🇷 on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.
