Um ensaio sobre percepção e intenção na formação do bom gosto, resultado direto de nossas escolhas, cultura e repertório.

Enquanto IAs simulam técnica com perfeição, a curadoria apurada segue sendo um diferencial humano. Pensemos em gosto e discernimento e em como cultivá-los com intencionalidade e profundidade. Porque bom gosto não é dom, e sim construção.
Entre entusiasmo e discernimento
Esta reflexão floresceu em meus pensamentos depois de algumas leituras recentes sobre design, IA e criatividade.
Tudo começou quando o Rafael Frota tratou de gosto como aquele entusiasmo ocasionalmente perdido na rotina moderna. Depois, Kelly Hoffman (e Ira Glass) lembraram que, nosso gosto pode superar nossas habilidades e gerar frustração. Mais tarde, foi a vez da turma da Nielsen Norman Group contrapor técnica e discernimento. E, finalmente, a Andrea Grigsby me inspirou com sua conclusão: a inteligência artificial pode simular nossas ferramentas, mas não alcança o nosso gosto.
Dito isso, falemos de gosto e, fundamentalmente, bom gosto — essa percepção estética facilmente reconhecida, mas dificilmente explicada.
A arte de perceber o que importa
Gosto, de maneira simples, é discernimento. É a capacidade de escolher entre opções simultâneas com inteligência, sensibilidade e intenção. O bom gosto se manifesta quando essa curadoria pessoal se transforma em prática bem-sucedida, alinhando forma, conteúdo e contexto com precisão.
Isso não acontece por acaso. Exige padrões elevados de cognição e prática deliberada. Envolve comparação, contraste, analogia. Criar com gosto é reconhecer padrões, explorar desvios, tomar decisões finas baseadas na memória, na cultura e nas sensações vividas.
Gosto é intenção. Ou um conjunto de intenções que precisam, afinal, ser descobertas.
Sim, vividas. Porque o bom gosto está profundamente ligado à experiência de quem cria. Ele cresce com o nosso repertório. Em tempos de travel light, onde tudo é gerado ou sugerido por inteligência artificial, nossa vantagem competitiva talvez esteja na bagagem que carregamos: mais conhecimento, mais sensações, mais memória real.
Uma IA pode gerar a imagem de um pôr do sol no estilo de Monet, mas jamais terá vivido crepúsculos estonteantes como Claude presenciou. Só o olhar humano pode interpretar o mundo por meio de impressões. Se competirmos contra essa oponente incansável e hábil sem compreender as intenções dos criadores que nos antecederam, lutamos no escuro. E não é difícil imaginar quem perderá essa luta.
Criar é viver. E comparar.
Toda predileção merece uma justificativa. Uma boa curadoria deve estar pronta para articular por quês, mesmo quando não houver questionamentos. Encontre argumentos que sustentem suas escolhas — mas não se apaixone por elas. Nosso ego constantemente cria pontos cegos que escondem soluções melhores.
Distinguir intenção requer consumo de conhecimento, aliado a estudo e exercício. Em analogia ao desenvolvimento muscular, sabemos que os melhores resultados vêm da alimentação adequada e do treino consistente, com esforço e repetição.
Caminhos para refinar seu gosto
- Mais é menos: adicione o que desejar, depois repense e remova o máximo que puder. Mantenha a intenção.Riqueza não é sinônimo de bom gosto: evite confundir preço com qualidade. Restrições geralmente favorecem soluções criativas.Entenda o que não gosta: a arte que te incomoda tem algo a ensinar. Mexa-se e descubra o que é.Vá além da superfície: veja filmes, vá a museus, leia sobre movimentos. Entenda o que propunham — e contra o que se posicionavam.Questione-se sempre: Por que essa bandeira tem tais cores? E esse símbolo, o que significa? Por que certas peças em um desfile de moda parecem tão absurdas? Investigue. Conceito é tudo.
Referências
- Designers, perdemos o gosto — Rafael FrotaOn taste and success — Kelly HoffmanDesign Taste vs. Technical Skills in the Era of AI — Sarah Gibbons and Kate MoranAI is coming for our design jobs, but it can’t touch taste —
Andrea GrigsbyTaste — DOC
Curadoria humana em tempos de IA was originally published in UX Collective 🇧🇷 on Medium, where people are continuing the conversation by highlighting and responding to this story.
